mapa para as estrelas
texto publicado por ocasião da exposição colectiva mapa para as estrelas, Catarina Lopes Vicente, Guilherme Figueiredo, José Sousa, Leonardo Quintaneiro, Marie Antoinette, Pedro Calhau, Pedro O'Novo, Rui Gueifão, Vera Midões
text published for the group exhibition mapa para as estrelas, Catarina Lopes Vicente, Guilherme Figueiredo, José Sousa, Leonardo Quintaneiro, Marie Antoinette, Pedro Calhau, Pedro O'Novo, Rui Gueifão, Vera Midões |
Quando olhamos para as estrelas em que direção estamos a olhar?
Partindo da etimologia e latência exponencial da ideia de constelação, Mapa para as estrelas, materializa-se em dois espaços geográficos em Lisboa Oriental - Imago Garage e Atelier Midões - numa aparição pop up, como se de um eclipse se tratasse. Imago Garage 38.71847334390577, -9.122931888413591 Comecemos o exercício de reconhecimento deste desenho constelar ficcional, imergindo no espaço da Imago Garage. Como extremidade superior de um corpo celeste, posicionam-se as peças de Pedro Calhau e Marie Antoinette, colocando em evidência um discurso antropocentrista, estrutural e perspectivado. Pedro Calhau (n.1983, Évora) em pleno confinamento gerou a captação de imagem utilizando os seres que habitam o atelier, na sua ausência, que não são mais do que a continuação da activação deste lugar como espaço de construção e rede, que se vai tecendo autonomamente. Pela sua própria voz, ouvimos a leitura de um excerto do livro “Nas margens do Político", de Jacques Rancière. Regime do Múltiplo (2020) é simultaneamente, o excerto lido e o nome da peça, com 8 '30’’. Em Tantrum (vídeo, cor, 10’26”), a dupla artística Marie Antoinette (Mariana & António), convoca o confronto através do recurso mínimo ao monocromatismo, usando uma criatura convulsiva, que oscila sobre a sua clarividência num discurso confessional sobre eco-ansiedade e comiseração. A escultura de pequenas dimensões “Braço de Ferro” (raiz de esteva, borracha) desafia o espectador pela sua linguagem e materialização plástica. Atelier Midões 38.7258993809733, -9.114298184115285 Relembrando o desejo de trazer o céu à terra, é através da presença das peças de Leonardo Quintaneiro e Catarina Lopes Vicente, que a tentativa se materializa. Duas estruturas retroiluminadas permitem observar o diálogo intimista que Leonardo Quintaneiro (n.1997, Aveiro), desenvolve em torno da ideia de casa enquanto espaço íntimo, invocando a palavra à sua superfície. Matéria plástica que deriva do desenho, através de banhos sucessivos de parafina, ora revelando, ora apagando camadas de gestualidade. “Conhecer os cantos à casa (para) melhor se estar”, “You need to wait”, "It was sweet of you to come", "Home sweet home", ou "Repete até doer menos" são algumas pistas para um poema gestual habitado.. Catarina Lopes Vicente (n.1991, Lisboa) trabalha habitualmente sobre papel, contudo integra o mapa, apresentando uma tela sem título(2021). Flutuando, para que nos lembremos que no espaço não há arestas, a forma fluida e atmosférica tem origem no seu processo criativo, que esmiúça a representação através da repetição de pequenos desenhos, objectos em gestos rápidos. Livres. Ensaios, que concretiza com recurso à monotipia, uma forma de desenho cego e intuído. Através das obras de Rui Gueifão (n.1993, Almada) gera-se uma mise-en-scène, que convoca o espectador à encenação. Objectos escultóricos da série O(s) Primeiro(s) Sopro(s) dos Deuses (2019-ongoing), dispõem-se de forma ordenada e convidativa à participação do espectador como corpo activo perante a representação da estrela maior - o sol. Contudo, este, já não é o Sol igual a si mesmo (2021). Pés e pregas e Fogo no balde, são peças de 2021 que multiplicam sobre si mesmas, diálogos para um entendimento espacial mimético. Pelas diagonais nos corre o olhar na direcção dos elementos cromáticos que são peças de José Sousa (n.1996, Caldas da Rainha). Pinturas sobre óleo sem título, datadas de 2021 marcam o ritmo em diversos espaços do nosso mapa. Âncoras visuais, com discursos narrativos entre a humanização de formas vegetais, combinadas com trompe-l'oeil de si mesmas enquanto naturezas mortas. Se os homens não choram, choram os troncos por toda a Humanidade. Objectos sem peso, instalam-se reivindicando um espaço para existirem e cumprirem a sua função: por um lado, a de serem observados; por outro a de colocarem questões. Falamos de Guilherme Figueiredo (n.1996, Lisboa) e do seu trabalho, caracterizado pelo uso de materiais domésticos e industriais como matéria plástica, construindo objectos escultóricos performativos que almejam recriar o mundo real e a sua efemeridade. Espectador sobe as escadas Tal como se faz sentir uma energia pulsante e refrescante na obra Cães de Barcelona (1965), de Paula Rego, também na prática de Vera Midões, esta energia irradia. Fried lamprey star (2022) e The reason of two segments (2022) são duas pinturas criadas para integrar este mapa, contendo em si mesmas o paradigma para esta fenomenologia, constelar expositivo. A efabulação através de um alfabeto próprio, caracteriza a linguagem autoral e reconhecível da artista. Um convite ao jogo que se vai jogando por intuição de quem observa, tacteando os códigos para o seu entendimento e/ou divagação. As suas obras podem ser compreendidas como páginas diaristas de um livro que se vai escrevendo. Da tradição europeia antiga, a figura do bardo é convocada através da ideia da flauta por Guilherme Figueiredo, em Bard’s Length, 2021. Interessa-lhe a ideia de transmissão de conhecimento através da cultura oral e popular, num processo de apropriação directa, como veículo de cristalização e renovação. Pedro o Novo (n.1992, Beja) flui entre binómios: rural - urbano, bucólico - despojado, academismo - ilustrativo. Parece transitar sem inquietação entre territórios e corresponde a ambos com o mesmo sentido de humor e ironia. Fly Cash Fly (2022) é a instalação composta por 24 objectos únicos, que configuram uma alegoria poética à sociedade capitalista. No portão do Atelier Midões, pode ser vista uma intervenção site specific, feita a convite de Vera Midões, que integrará a identidade do local, no pós-exposição. Cessamos onde começamos, com Pedro Calhau. Na cauda da constelação, está a peça RGb, da série Retratos de Galáxias (2021). Dando continuidade à série Nous (2017), esta pintura composta por três planos verticais de tela suspensa, simultaneamente visíveis e ocultos, sobre uma ideia de composição de fundo e do imponderável das relações de escala que tornam o objecto “galáxia”, ausente da esfera da compreensão do humano. Nas suas palavras, “fazer o retrato de uma galáxia em boa verdade é levar a nossa capacidade fenomenológica ao limite”. Assim, esta exposição no seu conjunto, tal como a astronomia define “galáxias”, delimita apenas uma, entre muitas áreas visíveis do corpo de trabalho destes artistas. Nós passaremos. Elas e eles continuarão a existir, antes e depois de nós, na concretização da prática diária e do seu rasto. denise cunha silva, 2022 |