Desenhos
texto publicado no Seminário Expresso no âmbito da exposição Desenhos de Catarina Lopes Vicente
Na penumbra medida que quase sempre habita o espaço de exposições do Teatro da Politécnica, estes desenhos de Catarina Lopes Vicente (n. 1991) surgem-nos como outras tantas aparições, bem diversas aliás, quer nas suas formas quer nos modos de aparecer ou de se darem a ver. Logo na entrada, um conjunto de 21 desenhos parece querer identificar coisas registadas num modo, dir-se-ia, arqueológico na definição quase precisa de cada uma delas. Digo quase porque todas elas nos aparecem marcadas por algum desgaste e porque o desenho que as serve não se define pela precisão do risco ou pelo traço, mas pela criação de uma incerta volumetria onde a erosão, o trabalho do tempo, está evocada. Depois passamos dos volumes às superfícies onde o desenho é registo de acontecimentos, marcas, rastos, sombras de gestos que passaram por lá, memórias materiais que podem ser vistas como outros tantos restos, vestígios de passagens sobre o suporte. E, mais adiante, fica a luz, a entrada imediata da luz sobre o papel, saltando do suporte para o espaço, iluminando aquela penumbra, inventando uma espécie de rayogramas sem outra superfície impressionável para além do papel que os regista e fixa. Por momentos sentimo-nos diante de uma notação aparentemente automática, onde a mancha, pequena ou grande, tende a imperar e a mão a desaparecer como se estes desenhos se fizessem a si próprios ou crescessem por si próprios; aliás, é a artista quem nos fala de imagens que se vão construindo a si próprias, imagens, acrescento, que resultam de uma necessidade interna a estes desenhos, mas que podem derivar para os vastos territórios do informe, ou melhor, para aqueles espaços cheios de matéria e tempo, que precedem a forma sempre a construir-se e sempre a desgastar-se.
José Luís Porfírio, Expresso, 2018 |